Vê-se que a Igreja admite a possibilidade de expressões devocionais dirigidas ao Senhor Deus (Pai, Filho e Espírito), focalizando um aspecto particular do Seu inesgotável mistério (ad intra ead extra); assim, p. ex., temos a devoção ao Pai eterno, à Divina Providência, ao Sangue de Cristo, ao Senhor Bom Jesus, ao “Divino” (Espírito) etc. Se autênticas, brotam de um coração filial e eclesial, uma alma repleta de amor e gratidão, na simplicidade de quem confia não na força de suas palavras, ou na sofisticação das expressões, mas na graça divina. É por isso que o citado Diretório admite que haja uma “devoção à divina misericórdia” (n. 154), que, como outras devoções, deve caminhar estreitamente unida às celebrações litúrgicas da Igreja, sobretudo a Páscoa do Senhor – e que há de nos conduzir a uma profunda atitude de adoração, louvor e ação de graças, súplica e reparação ao Deus Uno e Trino, rico em misericórdia, particularmente ao Coração Divino-Humano do Verbo Encarnado, fonte inesgotável da misericórdia, e a um empenho efetivo em prol dos irmãos e irmãs, particularmente os sofredores, pecadores e agonizantes, através de obras de misericórdia.
Entre os anos 1931-1938 o Senhor se dignou revelar à Santa Faustina algumas novas formas devocionais que pretendem auxiliar o cristão a se aproximar mais e mais do mistério da Divina Misericórdia
– o terço, a novena, a hora, a imagem da Divina Misericórdia (esta, uma vez abençoada, torna-se um sacramental), e uma nova celebração litúrgica, a Festa da Divina Misericórdia (aprovada no ano 2000 e enriquecida com especiais indulgências).
Podemos falar de “devoção” em relação ao mistério da Divina Misericórdia – que nasce do “culto” e frutifica no “apostolado”.
A vida dos santos fala por si mesma – é uma teologia encarnada. Ora, Santa Faustina alimentava a sua vida cristã sobretudo da Sagrada Liturgia (vivia intensamente cada celebração do Ano Litúrgico), mas o Espírito não deixava de suscitar nela as mais variadas expressões devocionais relacionadas a Deus e aos Santos (ao Sagrado Coração de Jesus, à Paixão de Cristo, à sua Morte, a Maria, S. José, S. Miguel Arcanjo, S. Teresinha do Menino Jesus, as “Quarenta Horas” de Adoração – cf. Diário, nn. 40; 93; 150; 667; 914; 948; 1029; 1203; 1388; 1641; 1704; 1774), e de um modo especial ao mistério da Divina Misericórdia.
À guisa de conclusão: “devoção”, em seu genuíno sentido, nada tem que ver como “devocionalismo” vazio, supersticioso, desequilibrado, intimista, sectário. Há expressões exteriores de piedade que pretendem ser uma manifestação das virtudes da fé, esperança e caridade, ao mesmo tempo em que as confirmam e fortalecem. Redento M. Valabek, carmelita, ainda faz notar outra dimensão da autêntica “devoção” cristã: ela pretende indicar “o obséquio e o empenho devido em primeiro lugar a Deus”, ou seja, é uma “atitude habitual/permanente em uma pessoa que, com fervor, prontidão e constância, oferece a Deus o seu serviço expresso em várias formas”, chegando em algumas circunstâncias ao “sacrifício da própria vida” (DizionariodiMistica, Libr. Editr. Vaticana, 1998, p. 408). Santo Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, sublinha que um ato de devoção inclui particularmente a pronta oferta da própria vontade a Deus (cf. S. Th. II-II, q. 82).